quinta-feira, 12 de abril de 2018

Acting-out - quando se age o que (ainda) não se consegue pensar








A capacidade para pensar, aprofundadamente, como exercício reflexivo e compreensivo de si mesmo e dos outros, é adquirida ao longo do desenvolvimento, em estreita ligação com as relações significativas que são estabelecidas. É no contexto das relações, da sua qualidade, da possibilidade que existe no seio destas de comunicar, conter, entender e responder aos vários conteúdos e estados emocionais, que surge a capacidade do indíviduo para se pensar a si e aos outros.

Nas crianças é esperado que se observem comportamentos que denunciam alguma limitação a este nível. Estão ainda a construir a sua capacidade para pensar, o seu aparelho mental é ainda imaturo e tendencialmente agem de acordo com o que estão a sentir sem que tenham consciência disso, como um impulso e uma encenação do que se passa na sua mente. Falta ainda o espaço interno que permite que estas vivências e estes sentimentos sejam filtrados, elaborados e contidos pelo exercício pensante, compreensivo, atribuidor de significados e, por isso, tranquilizador.
Algumas situações do quotidiano pertencem a este tipo de manifestações, uma birra, um movimento agressivo... Particularmente se parecem desproporcionados à circunstância real ou cuja intensidade tem um grande impacto.

No consultório também acontece com alguma frequência. O sentimento que não está ainda mentalizado e longe de poder ser comunicado é agido no espaço terapêutico. Não é assim tão raro que o terapeuta se sinta invadido porque de facto a criança (ou adolescente) tem necessidade de exprimir a sua angústia e inscrevê-la nesse espaço de uma forma intensa e muitas vezes caótica. É necessário conter, é necessário compreender para que se crie condições para a imprescindível capacidade de contenção do terapeuta, é necessário que antes de ser possível ser pensado pelos dois, seja suportado e pensado pelo terapeuta, disponibilizando por inteiro a sua capacidade de mentalização.

David Levisky defende que existe sempre uma comunicação expressa nestas manifestações comportamentais e verbais e que é a sua compreensão que permite a elaboração mental. Este autor e psicanalista brasileiro esclarece que estas manifestações incidem sobretudo na fase da infância e da adolescência mas que quando acontecem de forma intensa e repetida pode significar risco de estruturação patológica da personalidade.

Na relação terapêutica trabalha-se no sentido de desenvolver um espaço mental que permita fornecer condições para a transformação da ação em pensamento, para passar da ação à exploração dos seus significados. Assim passa a ser possível falar sobre esses conteúdos mentais e seus significados, elaborando-os e reparando-os em conjunto.


Drª Filipa Rosário
O Canto da Psicologia




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